segunda-feira, junho 19, 2006
SARDINHADAS
Durante todo o Verão, é incontestávelmente a rainha do peixe assado. É nesta época quente que naturalmente se encontra mais gorda,e não há peixe grelhado mais saboroso e de preço mais acessivel. Escolha-as pequenas e com escama, são as melhores, uma verdadeira delícia "meio-peixe", como são designadas pelos pescadores.
Recordo com muita saudade aquelas tabernas, junto à lota de Setúbal (hoje transformadas em restaurantes), onde entrávamos depois de"negociada"cá fora na rua, uma "teca" de fresquissimas e reluzentes sardinhas acabadas de descarregar, vivinhas, da traineira atracada ali em frente, na doca dos pescadores.
Num canto do estabelecimento, havia uma pilha de pequenos fogareiros de barro,de onde retirávamos os necessários (normalmente, um era o ideal para duas pessoas), ao lado, um enorme e mascarrado caixotão, atulhado de negro carvão vegetal. Com este guarnecíamos os assadores, retirávamos de outra pilha um banquinho baixo de madeira para cada um, pedíamos uma brasa a cada grupo de pessoas ( normalmente pescadores ) que já assavam peixe nos respectivos fogareiros, avivávamos o lume com abanicos de palma, e quando o fogo estava "de jeito", sentávamo-nos em redor dos braseiros, colocávamos as grelhas em cima, deixávamos esmorecer um pouco o lume, e sobre estas, já lavadas e salpicadas, as belas sardinhitas.
O peixe para grelhar nunca deve ser salgado com muita antecedência, salpica-se e vai para cima do lume.
Eram comidas à mão directamente em cima de uma fatia de pão, quem tirava da grelha uma sardinha assada, preenchia de imediato o lugar deixado vago por esta, com outra crua.
E ali estávamos nós, contemplando as (nesse tempo) ainda azuis e limpidas águas do Sado, comendo, lambendo os dedos e bebendo pela garrafa, do tintol Palmelão que o taberneiro enchia de uns enormes tonéis de madeira simétricamente alinhados atrás do balcão, e já bastante enegrecidos por muitos anos ao serviço do nobre e santificado sumo. Estas almoçaradas, provocavam em mim um estranho efeito: A peninsula de Tróia, mesmo ali na nossa frente, esfumava-se misteriosamente no difuso horizonte, e a poente, o castelo de S.Filipe esbatia-se no emaranhado verde da Arrábida, até se transformar num borrão quase imperceptivel, e apoderava-se de mim um suave, doce e lânguido torpor, que chegava por vezes a permitir que por breves momentos, Morfeu me enlaçasse nos seus voluptuosos e sensuais braços. Hoje recordo com uma doce nostalgia,esse tempo de"dolce fare niente"que só a despreocupação da juventude permitia usufruir em plena e total descontracção.
Cozo batatas com a pele, grelho as sardinhas em "fogo lento" se o lume estiver muito vivo, a gordura do peixe ao cair sobre o carvão incandescente provoca labaredas que vão"engraxar"o peixe, deixando neste um mau sabor. Nesse tempos, quando por descuido, ou ignorancia, deixávamos atear as chamas, invariávelmente ouvíamos alto e bom som: "PARRECE QUE TAMOS NA FEIRRA POPULARR" era uma frase que nunca compreendi muito bem e que os mais velhos pronunciavam para gozar com a nossa azelhice ao lidar com os fogareiros (talvez na feira popular assassem assim as sardinhas!? não sei). Mas também nos ensinavam: "Tirrem as sarrdinhas do lume que já tão assadas! isso é só um calorrzinho p'rra tirrarr o sangue da espinha!" e é verdade! sardinhas assadas demais perdem toda a gordura.
Se assar sardinhas com o lume muito vivo, e se o grelhador for grande, junte as brasas para um lado do assador e ponha o peixe no outro, de modo que a gordura não caia directamente em cima do carvão. E tenha em atenção que o peixe não deve estar tempo demais na grelha, asse apenas o suficiente para que não tenha sangue na espinal medula.
Faço uma salada com alface, cebola e coentros picados, outra com tomate (às vezes assado) sem a pele e bem madurinho, cebola e oregãos, e ainda outra de pimentos assados, tudo temperado com sal grosso azeite e vinagre. Se meter os pimentos depois de assados, ainda quentes, num saco de plástico e o fechar bem durante alguns minutos, estes pelam-se muito mais fácilmente.
Coma as sardinhas sempre à mão (sabem muito melhor), no final lave as "manitas" com "sonasol magic" e vai ver que é mesmo mágico.
Um bom vinhito tintol, novo de preferência, com um pequeno golpe de frio, não vá na treta do tinto à temperatura ambiente, isso é bom se esta for mais ou menos de 15 graus! Mas... No verão!? com temperaturas a rondar os 30 graus!?, bebido com parcimónia, os tempos e as responsabilidades são outras, e para rematar, faça como aprendi com os marítimos Sadinos: A fatia de pão que serve de suporte às sardinhas enquanto comemos, e fica ensopada com a riquissima gordura deste peixe, é tostada em cima da grelha. Saboreie no final, e eu aposto que nunca comeu uma torrada assim.
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26 comentários:
Gosto imenso de sardinhas. Até chego a comer uma por ano!
Ai, eu estou em contagem decrescente para comer essas sardinhas!!!!
BJs
Belo post!
As indicações são excelentes, mas só com um bocadinho de prática se chega a essa perfeição na lida com o fogareiro...
Ao contrário da santa cita, nunca como menos de 5 de cada vez, e não como mais porque não devo...
Tá quase mestre Kuka, tá mêmo quase. Faltam 33 dias.
E a batatinha cozida com pele e temperada, ainda quente, com azeitinho, alho e "óregos"? Não?
que saudades que tenho de setúbal
morei 15 anos em setubal
grande terra
não sei se ainda haverá aquelas tasquinhas em que se comiam perninhas de râ.
eu comi tantas com o meu pai.
Ainda conheçi a Troia sem nada a não ser um cafezinho
e o resto era só giestas.
Que maldade, Kuka!!!
São 11 da manhã, e eu era mesmo capaz de comer sardinhas a esta hora. E agora?
Já sei o que vai ser o almoço.
lollll
Ps. Já reparaste que as sardinhas sabem ainda melhor quando estamos em boa companhia? É comida de matilha! Looolll
Beijos.
hummm... saladinha de pimento!
Farto-me de aprender consigo... torrar o pãozinho?! essa não sabia :-0
Onde estão essas sardinhas assadas?! O Mestre Kuka tem uma prosa de ouro.
Pá... isto é um crime!
Ler este post com a barriga a dar horas e sabendo que a meia-horita do almoço só vai dar para uma sandocha mal amanhada e uma bjeca ou duas.
Não há direito, Kuka... não há direito!
Torturador....
-Santa Cita,assim ficas com fome.Quem não gosta de sardinhas não come nenhuma.Agora uma!???
-Sandra,até setembro estão boas.No ano passado estiveram gordas até novembro.
-Paula,5 de cada vez???acho que só se consegue comer uma de cada vez.
-Oi Tareca!Mas que preciosismo!33 dias?nem mais um,nem menos um!Será que estás a cumprir pena de prisão?Essa da salada de batata merece um post.Um dia destes.
-Lena,conheci a Tróia assim,mas era ainda muito criança.Não tenho muitas recordações.
-Tens toda a razão Amélia.
-Pois é Mónica,também aprendo muito com vocês.Ninguém sabe tudo.
-Amigo Rui,um dia!
-Olha o meu vizinho.Seja bem aparecido.
-
Sardinhas, Mestre, só daquelas pequenissímas a que chamo petingas. Extripo-as cuidadosamente, lavo-as (com decoro!), salgo-as e enfarinho-as (que isto de sair sem maquilhagem!...) e deito-as (Claro!) num tabuleiro todas com a cabecita para o mesmo lado e a repousarem na barriguita das antecedentes. Depois rego-as com um bom fio de azeite e outro de vinagre, uma folhitas de louro (Com ou sem fio, depende do humor) e uns dentitos de alho. Prepego com ditas no forno até bronzearem bem.
Entretanto faço aquele café de cafeteira.
Depois das infelizes bem tostadinhas e do café bem assente corto uma fatia de bom pão e entrego-me ao prazer de devorar o petisco.
É sempre bem mais que uma!
Se quero almoçar, cozo umas batatitas aos cubos apenas com sal. Depois de cozidas tempero-as com salsa miudamente migada, um bom naco de manteiga, uns dentitos de alho finissimanmente picado, uma colher de sobremesa de colorau e um bom fio de vinagre. Dou-lhe duas voltas ou três para aquilo ficar como uma salada e chamo o pessoal para a mesa.
(Mas chamo-os muito baixinho porque eles podem ouvir!)
Sempre apetecível, uma boa sardinhada!
Este homem é do Alentejo! Que se passa com teu blog?
Kuka, sábado lá estamos nós, mais 6 ou 7 sardinhas a cada um para encher o bandulho. Oláré! E eu que me pelo por elas! Já nem falo dos pimentos que têm que estar bem avinagrados.
Gostei do post e de ler as tuas recordações juvenis :)
já estão boas as sardinhas , mas as de sotavento estão mais gordas .
ò mestre diga lá como se faz aquele gelado de limão que se serve após os pratos de peixe ( aquele para lavar a boca )
um abraço e obrigado
Ya, mas o fedor que elsa mandam!... Chiça!
Queria dizer elas claro. A pobre da Elsa não tem nada a ver nem sei quem é-
Sou louca por sardinhas e carapaus!
Essa do vinho é nova e parece-me bastante pertinente, obrigada!
Pseudo,sete ou oito?!Só???claro que há uns que não gostam e os outros papam dezasseis.
Amigo Diogo,claro que pelo Sotavento engordam mais cedo,no Mediterrâneo ainda antes.Não sei como se faz o gelado.
Didas,só depois,porque antes de comer o cheiro é óptimo.
Doutora também come sardinhas?De garfo e faca, como deve ser!
NHammm...nhammm :D opa as tuas descricções estão cada vez melhores...
Fiquei-me a babar :D
Beijosssss Chefe Kukinhaaa ;)
axo que me safei com a feijoada, kuka. so penso que devia ter cozido os buzios mais tempo, cozi em 2o min ,mas ficaram um pouco rijos. a malta gostou ( ou pelo menos tiveram vergonha de dizer que não tava bom, eh eh eh)
Ai e eu q adoro sardinhas....Chega o tempo da sardinha e é sardinhada todo o santo sábado ao almoço. Coitado é do marido q as tem de ir assar.
(Ás vezes faço no grelhado electrico, não fica igual, mas escapam bem e é mais rápido!)
E sardinhas fritas com molho de escabeche.... Ai Ai...
Elas também são muito apreciadas por aqui. E dessa maneira parecem ainda mais apetitosas!
Oh Kuka, se estavas a perguntar-me o que se passa com o meu blog dir-te-ei apenas que o infeliz está em estado comatoso e não se esperam melhoras.
bom fim de semana, kuka e boas sardinhadas
Gosto demais de peixe-todos os tipos.Adoro o teu blog pois sempre me delicio, dentre muitas coisas, com as maravilhosas receitas e historias de peixe, preparo de peixe.Fico aqui com inveja.
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