quinta-feira, outubro 25, 2007

BACALHAU DO MURCHO


O episódio que lhes vou narrar passou-se comigo há um bom par de anos.

O Zé António, pastor de cabras, possuía um redil numa das encostas da praia do Barranco. Aí amalhava os animais durante a noite e, também nas horas em que os ardentes raios solares incidiam mais fortemente sobre aquele lugar de vegetação rasteira, que não fornecia sombra digna desse nome.


Ao nosso amigo, bastava-lhe descer por um carreiro que serpenteava por entre espessas moitas de zimbreiros, oloroso alecrim e, estevas de folhagem brilhante e pegajosa, e em menos de um minuto pisava a areia branca e de grãos finíssimos da praia do Barranco.

Um dia, estendido na areia, naquele "dolce fare niente" a que os cálidos dias de verão fazem apelo, eis que, sou surpreendido pela chegada do meu amigo Zé. Éramos os únicos seres humanos presentes (Nesse tempo a praia era pouco frequentada, os acessos eram difíceis, ainda hoje são, embora já exista uma estrada até ao areal, esta é, de terra batida e muito esburacada).

Bom dia Zé! - Disse eu.

- Haja saúde, - Retorquiu.

- Venho fazer o "de comer".

- Fazer o almoço!!!??? - Pensei intrigado.

Não havia utensílio visível que indicasse tal operação. Nem um simples tachito ou frigideira. Nada! Pensei que fosse apenas um modo de expressão e que o Zé sacasse de dentro do taleigo um bocado de pão, um naco de chouriço, ou toucinho e, com o auxilio da navalha, fosse "fazendo" a refeição.

Enganei-me redondamente. O Zé, retirou da sacola, pendurada a tiracolo, uma posta de bacalhau já demolhada, 3 batatas, 2 dentes de alho, 2 ou 3 folhas de couve, sal embrulhado num pedaço de papel e um frasquito com azeite. Pegou nas batatas e, lavou-as, de cocoras, empoleirado numa das negras e escorregadias rochas. Salpicou-as, abriu uma pequena cova, cercou-a de pedras, já polidas de muitos anos a rolarem e a chocar umas nas outras, depositou aí as batatas envolvidas pelas folhas de couve, aconchegou a areia até tapar a couve e, com ramos e raízes de esteva fez uma fogueira, na areia, exactamente no local onde havia enterrado as batatas.

Estivemos no laredo, entretidos a apanhar burgaus - é o nome que por aqui dão aos burriés-, durante cerca de uma hora. O fogo esmoreceu entretanto, o Zé, com a ponta do enorme cajado, espalhou os restos carbonizados da lenha, já cinzenta, e assou a posta de bacalhau, directamente em cima do já quase desfalecido braseiro, primeiro do lado da pele, depois do outro lado, até ficar lourinha e a libertar um voluptuoso aroma, espevitador de gulosos apetites.

Afastou os restos da fogueira, desenterrou e retirou as enegrecidas folhas de couve e as batatas já assadas. O Zé, por gentileza, quis partilhar comigo a refeição, - coitado. Iria ficar com fome - por gentileza recusei, agradeci e meti-me a caminho de um já tardio regresso a casa enquanto o meu amigo sentado na areia, sob a copa azul, esburacada e ruça de muitos sóis, de um enorme e desengonçado sombreiro (que,alternava esta função com a de guarda-chuva, consoante as condições climatéricas) devorava a luzidia posta de bacalhau, decorada com rodelas de alho e sobreposta numa enorme fatia de pão caseiro.

E não há dúvida que as melhores coisas da vida são as mais simples.

Talvez o lagareiro original fosse assim. Quem sabe!



Faço muitas vezes este petisco, não numa fogueira, hoje já não são permitidas, especialmente numa área de paisagem protegida como é o Parque Natural da Costa Vicentina. Assim faço-o no forno.

Lavo as batatas muito bem, com uma escova em água corrente, salpico-as, disponho-as num tabuleiro e asso-as em forno forte.

E para aproveitar o calor do forno ( não devemos desperdiçar energia), asso também o bacalhau. Noutro tabuleiro, com: azeite, pimenta e alho.
Depois de assadas as batatas, sacudo-lhes o sal e dou-lhes a murraça da ordem.



Esta é a praia do Barranco de Benaçoitão. Talvez a melhor praia -quanto a mim- da costa Sul do concelho de Vila do Bispo. Na época em que tirei a foto já com algum movimento turistico.

O acesso mais directo é feito a partir da aldeia da Raposeira.


sábado, outubro 06, 2007

ABRÓTEA EM ARROZ


Da família do bacalhau, é no entanto um peixe muito vulgar na nossa costa. Sendo de consistência muito mole, é conveniente que seja "arrepiada" de véspera, com sal grosso, afim de enrijecer a carne. Arrepiar, é o nome que se dá à operação de esfregar o peixe com sal, no sentido contrário ao das escamas, ou seja: Põe o sal na mão e esfrega (no peixe, nada de confusões) do rabo em direcção à cabeça. A seguir, pendura-se pelo rabo com um fio grosso (sendo fino pode cortar o peixe) em local arejado e ao abrigo de insectos, até ao dia seguinte.


Normalmente come-se cozido. Desta vez resolvi fazer uma arrozada. Á minha moda.



Foi isso mesmo que fiz, com estas duas abróteas que, insistentemente, me piscavam o olho, no mercado municipal de Lagos. Não resisti e convidei-as para um almoço em minha casa.
No dia seguinte, depois de devidamente arrepiadas e penduraditas (não esquecer um recipiente por baixo do peixe, para aparar a água que vai pingando) deixei-as de molho em água fria durante cerca de dez minutos para que perdessem o excesso de sal, cortei-as em postas e "marquei-as" (marcar é pôr o alimento em contacto com uma chapa quente, untada com azeite ou óleo, até que ganhe uma crosta acastanhada. Pode ser feito numa frigideira ou grelhador de chapa, por exemplo.) e reservei.
Cozi as cabeças, em água aromatizada com: cebola, salsa, aipo, e louro.


Alourei, alho e cebola picados, em azeite. Juntei arroz, bem lavado, deixei refogar um pouco até absorver toda a gordura e juntei tomate, esmagado com a mão, pimenta e a água de cozer as cabeças (Um pouquinho mais do dobro do volume do arroz). Após, cerca de 5 minutos de fervura, despejei-o num tabuleiro, meti-lhe dentro as postas de abrótea e levei ao forno até cozer o arroz.


Se fosse necessário teria acrescentado mais um pouco de água (quente) para que não secasse e ficasse assim, como vêm nas fotos. Malandrinho.


O sal controla-se na altura em que se põe o arroz no forno.