
Durante todo o Verão, é incontestávelmente a rainha do peixe assado. É nesta época quente que naturalmente se encontra mais gorda,e não há peixe grelhado mais saboroso e de preço mais acessivel. Escolha-as pequenas e com escama, são as melhores, uma verdadeira delícia "meio-peixe", como são designadas pelos pescadores.
Recordo com muita saudade aquelas tabernas, junto à lota de Setúbal (hoje transformadas em restaurantes), onde entrávamos depois de"negociada"cá fora na rua, uma "teca" de fresquissimas e reluzentes sardinhas acabadas de descarregar, vivinhas, da traineira atracada ali em frente, na doca dos pescadores.
Num canto do estabelecimento, havia uma pilha de pequenos fogareiros de barro,de onde retirávamos os necessários (normalmente, um era o ideal para duas pessoas), ao lado, um enorme e mascarrado caixotão, atulhado de negro carvão vegetal. Com este guarnecíamos os assadores, retirávamos de outra pilha um banquinho baixo de madeira para cada um, pedíamos uma brasa a cada grupo de pessoas ( normalmente pescadores ) que já assavam peixe nos respectivos fogareiros, avivávamos o lume com abanicos de palma, e quando o fogo estava "de jeito", sentávamo-nos em redor dos braseiros, colocávamos as grelhas em cima, deixávamos esmorecer um pouco o lume, e sobre estas, já lavadas e salpicadas, as belas sardinhitas.
O peixe para grelhar nunca deve ser salgado com muita antecedência, salpica-se e vai para cima do lume.

Eram comidas à mão directamente em cima de uma fatia de pão, quem tirava da grelha uma sardinha assada, preenchia de imediato o lugar deixado vago por esta, com outra crua.
E ali estávamos nós, contemplando as (nesse tempo) ainda azuis e limpidas águas do Sado, comendo, lambendo os dedos e bebendo pela garrafa, do tintol Palmelão que o taberneiro enchia de uns enormes tonéis de madeira simétricamente alinhados atrás do balcão, e já bastante enegrecidos por muitos anos ao serviço do nobre e santificado sumo. Estas almoçaradas, provocavam em mim um estranho efeito: A peninsula de Tróia, mesmo ali na nossa frente, esfumava-se misteriosamente no difuso horizonte, e a poente, o castelo de S.Filipe esbatia-se no emaranhado verde da Arrábida, até se transformar num borrão quase imperceptivel, e apoderava-se de mim um suave, doce e lânguido torpor, que chegava por vezes a permitir que por breves momentos, Morfeu me enlaçasse nos seus voluptuosos e sensuais braços. Hoje recordo com uma doce nostalgia,esse tempo de"dolce fare niente"que só a despreocupação da juventude permitia usufruir em plena e total descontracção.

Cozo batatas com a pele, grelho as sardinhas em "fogo lento" se o lume estiver muito vivo, a gordura do peixe ao cair sobre o carvão incandescente provoca labaredas que vão"engraxar"o peixe, deixando neste um mau sabor. Nesse tempos, quando por descuido, ou ignorancia, deixávamos atear as chamas, invariávelmente ouvíamos alto e bom som: "PARRECE QUE TAMOS NA FEIRRA POPULARR" era uma frase que nunca compreendi muito bem e que os mais velhos pronunciavam para gozar com a nossa azelhice ao lidar com os fogareiros (talvez na feira popular assassem assim as sardinhas!? não sei). Mas também nos ensinavam: "Tirrem as sarrdinhas do lume que já tão assadas! isso é só um calorrzinho p'rra tirrarr o sangue da espinha!" e é verdade! sardinhas assadas demais perdem toda a gordura.
Se assar sardinhas com o lume muito vivo, e se o grelhador for grande, junte as brasas para um lado do assador e ponha o peixe no outro, de modo que a gordura não caia directamente em cima do carvão. E tenha em atenção que o peixe não deve estar tempo demais na grelha, asse apenas o suficiente para que não tenha sangue na espinal medula.
Faço uma salada com alface, cebola e coentros picados, outra com tomate (às vezes assado) sem a pele e bem madurinho, cebola e oregãos, e ainda outra de pimentos assados, tudo temperado com sal grosso azeite e vinagre. Se meter os pimentos depois de assados, ainda quentes, num saco de plástico e o fechar bem durante alguns minutos, estes pelam-se muito mais fácilmente.
Coma as sardinhas sempre à mão (sabem muito melhor), no final lave as "manitas" com "sonasol magic" e vai ver que é mesmo mágico.
Um bom vinhito tintol, novo de preferência, com um pequeno golpe de frio, não vá na treta do tinto à temperatura ambiente, isso é bom se esta for mais ou menos de 15 graus! Mas... No verão!? com temperaturas a rondar os 30 graus!?, bebido com parcimónia, os tempos e as responsabilidades são outras, e para rematar, faça como aprendi com os marítimos Sadinos: A fatia de pão que serve de suporte às sardinhas enquanto comemos, e fica ensopada com a riquissima gordura deste peixe, é tostada em cima da grelha. Saboreie no final, e eu aposto que nunca comeu uma torrada assim.