De manhã ainda cedo, montei o meu cavalo de raça, um puro-sangue alazão que relinchou e escoiceou,trotando alegremente até passar pelo largo portão de madeira forrado com chapas de zinco, incitei o animal que arrancou num desenfreado galope, só interrompido pelos gritos da minha avó: ”CÓTELA SE HÁS-DE FCAR MAL! AH MOÇE MARAFADE, SE CAIS ALEJAS-TE COM A CANA!” CANA?!!!... Então, a minha avó não via que era um cavalo!? Um belo e luzidio corcel, nervoso e veloz como o vento!? Coitada... Estava a ficar velha… Achava eu! E lá íamos nós, eu cavalgando lá na frente, e a “velhota” atrás, a pé, até à horta que distava um par de quilómetros da aldeia. Aí chegados, deixava a minha fiel montada a pastar livremente, no restolho da suave colina junto ao “montinho” (casinhoto onde o meu avô recolhia os utensílios que usava no amanho da terra), Agora passados todos estes anos, recordo que nunca lhe deixava água! Talvez não me deixassem acercar da "nora",em redor da qual circulava de olhos vendados por um pano negro desbotado(um velho xaile da minha avó), a burrinha branca (esta sim, bem real) que chegava sempre com meu avô ainda "lusco-fusco", para trabalhar na rega "pela fresquinha" antes que os raios solares incidissem verticalmente e, à tarde regressava com uma enorme gorpelha carregada de figos sobre a albarda, que eram amassados com farelos e faziam as delicias do porquito que, com este "pitéu", engordava a olhos vistos.
Enquanto sachavam e regavam, as batatas, cebolas, feijão e todas as coisas boas que natureza nos proporciona nesta altura do ano, lambuzava-me com os melosos figos, empoleirado nos folhosos ramos das enormes, retorcidas e rastejantes figueiras, enquanto ía ouvindo: "Não comas os figues quentes! Ficas com soltura!" Nestes dias, o almoço não variava muito, comíamos o que estava ali à mão: feijão verde.O meu avô juntava uma lenhita, ateava o lume e, a minha avó cozinhava.
Deitava um fio de azeite, cebola picada e uns dentinhos de alho, enquanto estalavam, dentro da panelita, descascava cenouras que cortava em rodelas, picava tomates madurinhos e juntava ao refogado que (como dizia Eça) rescendia. Deitava água do poço, que nesse tempo ainda era pura e cristalina, sal, uma folhinha de louro, e depois de ferver, batatas cortadas em rodelas e pequenos bocados de feijão verde que cortava diagonalmente. Às vezes, quando quase cozido, partia-lhe para dentro ovos de galinha e deixava-os escalfar, outras vezes terminava com um ramo de hortelã, e despejava tudo numa malga forrada com fatias de pão de trigo, tudo da horta ,excepto o sal. Depois é que eram elas!...”Come Zéééé! Quando fores prá tua casa a tua mãe diz que passaste mal! Tás magreco!” enches a barriga de "figues" e depois o comer fica no prato!" Mas não era apenas essa a razão do fastio. É que...feijão verde não era coisa que me agradasse.Mas depois, ao sol-posto, escarranchado em cima da albarda, antevia o ovinho estrelado com batatinhas fritas. Eram os miminhos.
Avó! Se me estiver a ver, aí do Céu, quero agradecer-lhe por tudo,pedir que me perdoe as diabruras, dizer que tenho muitas saudades suas e que já gosto de feijão verde, e também daquela salada de tomate, maduro e vermelhinho, temperada com sal e azeite e que me fazia os olhos bonitos.
24 comentários:
Eh pá!
Caramba. Pores assim, logo de manhã, uma pessoa com uma lagrimazita no canto do olho...
Uma homenagem lindíssima, emocionei-me!
Beijinhos Kuka
Já esta manhã por ter encontrado segurelha na praça me lembrei da minha querida avó , que sempre usava essa erva na sopa de vagens . Agora aqui este belo texto , também com vagens e avó deixou-me de novo lágrimas nos olhos.
Oh Kuka, tu ... francamente!
Vou contar-te uma coisa: Um destes dias alguém pediu uma receita de qualquer coisa onde pudesse usar feijão de debulhar. E eu lembrei-me: Que saudades das "bajas guizadas" da minha avó (que Deus a tenha muito bem protegida), isto era mais uma daquelas coisas que o Kuka se podia lembrar!!!!
E ... olha ... não tenho palavras!
Um beijo
(tenh que deixar de vir aqui)
Kuka, que bonito este post. A tua vó deve estar com um sorriso no rosto ao ler.
Não resisti, foi hoje o almocito cá em casa.
Bigada Kuka
Uma ternura...
Epa!!! Não queria que ficassem tristes. Alegrem-se!! Obrigado pelos vossos simpáticos comentários. Tareca só faltam praí 17 dias.
Pronto! Fui-me a elas e fi-las para o jantar!
E que boas estavam.
Um sorriso :)
É verdade Kuka, uma eternidade!
Kuka, que lindo texto! Sua avó deve estar toda orgulhosa lá em cima. E o prata que parece um ensopado de legumes nosso aqui no Brasil está de encher os olhos.
Eu n=ao cozinho mas com posts destes até fico com pena!
Parabéns
Beijos
Adoro ler-te!
Bjs
Carla
mais que a comida ( que eu até nem aprecio) muito bonita a homenagem à tua avó. abraço.
:-) Fiquei com inveja do passeio a cavalo
Olá Mestre Kuka :)
Ontem tentei fazer oo queijo fresco, segui as instruções, comprei coalho, mas não coalhou....
Não sei o terá acontecido, a única coisa que me ocorre é que o leite aqueceu até aos 40 e poucos graus, será disto??
Obrigada
Uma cozinheira frustada :(
não creio que tenha sido disso.Talvez o leite não fosse próprio.
Gosto de vagens às vezes. Há vezes que não tem aquele sabor tão característico, outras vezes não me apetece. Mas como, pois então!
Temos saudades não temos? às vezes até desejamos sonhar só para os ver.
Um beijito.
Gostei muito das fotos.
Bemmmmm, oh mestre.
Adorei esta narrativa, que muita coisa boa me fez recordar.
Parabéns pela escrita.
beijos
emn***
Mas que linda e sentida dedicatória...este post poderia ter outro título: "viagens... de feijão"
Adorei...só não adoro esses...os feijões...passo...beijos
desejo te um bom fim de semana. abraço
Achei tão bonito... a forma como fala da sua avó, de imediato lembrei-me da minha, que só me trouxe felicidades na minha infância, é TÃO BOM, termos estas BELAS lembranças...
Felicidades
Enviar um comentário